Além de diminuir as emissões de dióxido de carbono e o consumo de energia, o LC3 tem menor custo de produção, o que o torna um dos melhores substitutos sustentáveis do cimento convencional.
Pesquisadores e profissionais de várias partes do mundo estão empenhados em desenvolver materiais e tecnologias que tornem a construção civil mais sustentável. As construções, nos moldes em que são erguidas hoje, consomem muitos recursos naturais, demandam um alto consumo de energia e emitem toneladas de gás carbônico na atmosfera. Somente a indústria cimenteira é responsável por 7% das emissões mundiais de CO2.
Uma das alternativas apontadas por especialistas é substituir o cimento comum pelo cimento de calcário e argila calcinada (conhecido como LC3, da sigla em inglês de Limestone Calcined Clay Cement ). A UNILA tem uma linha de pesquisa que, desde 2020, estuda a viabilidade desse novo material. Um dos estudos mais recentes apontou que o uso de LC3 pode diminuir as emissões de carbono. Enquanto para produzir uma tonelada de cimento Portland comum são emitidos 809 quilos de dióxido de carbono, para produzir uma tonelada de LC3 as emissões chegam a 536 quilos, 36% a menos. E, de acordo com a responsável pela pesquisa, a mestra em Engenharia Civil pela UNILA Dalila Cristina Netto Sella, “quando à mistura do cimento são acrescentados outros elementos como resíduos de telhas ou de tijolos, essa redução pode chegar a 48% se comparado a um cimento convencional sem adições”.
O grande diferencial do LC3 é sua composição. No cimento comum, o principal componente (95%) é o clínquer, composto que surge do superaquecimento da rocha carbonática. Já no LC3, substitui-se 50% do clínquer por uma mistura de argila e calcário. “A argila é colocada em um forno a 800ºC que transforma seus componentes em caulinita, melhorando sua resistência. Ao misturar essa argila calcinada com o calcário, clínquer e gesso, é gerado o LC3, que tem as mesmas propriedades do cimento comum, podendo ser facilmente usado em telhas, estruturas não armadas, pavers e tantas outras aplicações da construção civil”, explica a coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil da UNILA, Edna Possan. Esse processo requer metade da energia utilizada na produção do clínquer, trazendo um impacto menor ao meio ambiente.
Além de diminuir as emissões de CO2 e o consumo de energia, o LC3 tem menor custo de produção, o que o torna um dos melhores substitutos sustentáveis do cimento convencional. “A grande vantagem do LC3 é que tanto a argila como o filler calcário são materiais abundantes e facilmente encontrados. Então, esta é uma forma viável de reduzir as emissões na construção civil”, salientou a docente Ana Carolina Parakinski dos Santos. Atualmente, o material já vem sendo utilizado em larga escala em construções em países como a Índia e a Colômbia. No Brasil, ainda não há uma norma que autoriza a produção e comercialização desse tipo de cimento. De acordo com a pesquisadora, ainda faltam estudos para entender o desempenho do LC3 nos diversos usos da construção civil.
Pesquisas voltadas para a América Latina
O Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil (PPG-ECI) da UNILA quer ampliar as pesquisas com LC3 voltadas para o cenário da construção na América Latina. As primeiras alunas que abordaram essa temática – as engenheiras Dalila Netto Sella e Raquel Pedroso Dias – estudaram o LC3 produzido a partir de argilas da região Oeste do Paraná. Elas coletaram amostras e fizeram ensaios com argilas obtidas em fábricas de cerâmica da região para ver qual tinha a composição mais adequada para a produção do cimento alternativo. Com o LC3 em mãos, as discentes realizaram vários experimentos no Laboratório de Desempenho, Estruturas e Materiais (LADEMA) da UNILA.
A pesquisa de Raquel Pedroso Dias desenvolveu e caracterizou cimentos LC3 a partir de materiais argilosos de Foz do Iguaçu e região, considerando diferentes distribuições granulométricas das matérias-primas. “Apesar do baixo teor de caulinita das argilas da região, concluímos na dissertação que é possível produzir cimentos LC3 a partir desses materiais argilosos. Ademais, os corpos de prova fabricados com os cimentos LC3 superaram a resistência dos fabricados com cimento convencional já aos 7 dias”, disse Raquel, que atualmente atua como engenheira civil na Prefeitura Municipal de Palotina (PR).
Já Dalila Cristina Netto Sella analisou as emissões e a forma como o LC3 captura o carbono do ambiente. “Com as amostras de LC3 produzidas em laboratório, foram desenvolvidos dois estudos: no primeiro, as amostras em processo de hidratação inicial foram colocadas na Câmara de CO2, onde ficaram por um período de 24 a 72 horas. Neste processo o CO2 combina quimicamente com alguns compostos em hidratação, ficando fixado na matriz cimentícia. No segundo ensaio, as amostras passaram por 63 dias de hidratação e, somente após este período, foram submetidas à carbonatação acelerada, simulando a maior parte das obras em concreto produzidas atualmente. Depois, por meio de ensaios de análise térmica, conseguimos verificar e calcular quanto o cimento capturou de CO2”, explica Dalila, que é Engenheira Civil na UNILA. O trabalho é inédito no mundo e foi orientado pela professora Edna Possan. Até agora não há nenhuma outra publicação que aborda a capacidade de captura de carbono em matrizes à base de cimentos LC3 por meio da carbonatação acelerada.
A pesquisa mais recente iniciada no PPGECI quer avaliar o potencial produtivo desse tipo de cimento no Paraguai. O mestrando Christian Gabriel González Denton iniciou recentemente um estudo voltado para a região do Departamento Central, sob a orientação da professora Ana Carolina dos Santos. “Para o LC3, há uma série de fatores que têm que ser analisados para avaliar se a tecnologia pode ser implementada. Um deles é que as argilas devem ter um teor de caulinita acima de 40%. E outro fator é a proximidade com as indústrias de cimento. Por conta disso, selecionei a região do Departamento Central do Paraguai, que é onde está em funcionamento a indústria nacional de cimento no país”, salientou. Christian está na etapa inicial da pesquisa, que é a extração da argila, principal matéria prima do LC3.
Para a coordenadora do programa, professora Edna Possan, o foco na realidade latino-americana vai ao encontro da própria missão da UNILA de contribuir para o desenvolvimento regional. “Pensar em tecnologias para desenvolver o LC3 no Paraguai é bem importante, porque amplia a abrangência da nossa pesquisa para além das fronteiras nacionais. É uma forma de internacionalização e difusão da ciência, e esperamos que possa ser amplificada para toda a América Latina”.
Créditos: UNILA.